Por Comunicação do Baía Viva

A Costa Verde, região formada pelas cidades de Mangaratiba, Angra dos Reis, Itaguaí e Paraty, está sofrendo ataques que podem acabar com um dos últimos resquícios de Mata Atlântica e onde o atual governo federal tem como meta transformar a região num deserto de resorts e hotéis de luxo. Em julho desse ano o prefeito de Angra dos Reis, Fernando Jordão (MDB), entregou uma proposta que altera parâmetros da Estação Ecológica (ESEC) de Tamoios, na Baía da Ilha Grande, ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos). Essa proposta chega para satisfazer o desejo de poucos e desrespeita os limites das terras indígenas, quilombolas, parques nacionais, parques estaduais e da Democracia.

Para tentar barrar essa ação destruidora formou-se a Rede de Organizações Não-Governamentais da Mata Atlântica. O Baía Viva  participa desse  movimento que está mobilizando a população que vive nesse território, informando sobre as consequências de um Turismo a la Cancún, cidade mexicana situada na Península de Iucatã, que entre outras rotinas, cobra pedágio para quem quer frequentar seus cenários caribenhos. Coisa para poucos!

A primeira ação da Rede de Organizações Não-Governamentais da Mata Atlântica foi o envio de uma carta ao Ministério Público Federal chamando a atenção para a ilegalidade desse projeto de “Cancún” brasileira. A carta foi protocolada no dia 10 de setembro. O Baía Viva subscreve a carta que publicamos a seguir:

 

Brasília/DF, 03 de setembro de 2020.

Ao

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – Rio de Janeiro

Ref.: AMEAÇA Á INTEGRIDADE DA ESTAÇÃO ECOLÓGICA DE TAMOIOS

A Estação Ecológica de Tamoios, que completou 30 anos de existência em 2020, é formada por 29 ilhas, lajes e rochedos e por seu entorno marinho no raio de 1km.

De acordo com o ICMBio (http://www.icmbio.gov.br/esectamoios/) a Unidade de Conservação tem equipe, conselho consultivo com registro das atas de 2007 a 2019, relatórios, plano de manejo e registro de inúmeras atividades, inclusive a realização de um Seminário de Pesquisa em novembro de 2019, além de ser a única unidade de proteção integral do ambiente marinho da Baía da Ilha Grande.

Mesmo totalizando um número reduzidíssimo de ilhas da Baía da Ilha Grande (Angra dos Reis por exemplo tem centenas delas, e alguns folhetos turísticos chegam afirmar haver “uma ilha para cada dia do ano”), a Estação Ecológica de Tamoios tem sido alvo de contínuas investidas contra sua existência. Como mostram diversas matérias jornalísticas, esses ataques vêm sendo realizados até pelo próprio Presidente da República. O inconsistente argumento de que a unidade de conservação prejudica o turismo na região desconsidera que a Unidade de Conservação ocupa somente 4% da área marinha da baía da Ilha Grande, e que responde a uma exigência do Decreto no 84.973/80 de salvaguardas no entorno de instalações nucleares.

As ameaças à ESEC Tamoios se tornaram mais explícitas no final de 2019. Primeiro com o projeto de lei proposto pelo Senador Flávio Bolsonaro (Republicanos/RJ) que, sob o argumento de instituir a região da Costa Verde como Área Especial de Interesse Turístico, inclui em seus poucos artigos a proposta de revogação do decreto de criação da Estação Ecológica (Decreto 98.864/90), sem qualquer estudo ou justificativa fundamentada. Depois, em 23/08/2020, a Prefeitura de Angra dos Reis anuncia que entregou ao Senador Flávio Bolsonaro um estudo de flexibilização da ESEC Tamoios. Exatamente o que se pretende “flexibilizar” não está claro. O conteúdo do “estudo” não está disponível para consulta pública, nem foi apresentado e discutido no Conselho da ESEC Tamoios, onde a Prefeitura Municipal de Angra tem assento, e tampouco no Conselho de Urbanismo e Meio Ambiente de Angra dos Reis.

A preocupação com essas propostas torna-se ainda maior diante da determinação do Ministro do Meio Ambiente de “passar a boiada”, como este se expressou na reunião ministerial ocorrida em 22 de abril, quando defendeu reformular o ordenamento ambiental nacional enquanto a atenção da mídia está voltada para a COVID-19. A edição do jornal Folha de São Paulo de 29 de julho evidencia um aumento significativo de atos administrativos na área ambiental publicados durante a pandemia (anexo1).

Dentre esses atos destacamos a Portaria ICMBio no 431, de 11 de maio de 2020, que instituiu o Núcleo de Gestão Integrada (NGI) ICMBio Paraty, que unificou a gestão das 3 unidades de conservação federais da região: Área de Proteção Ambiental de Cairuçu, Parque Nacional da Serra da Bocaina e Estação Ecológica de Tamoios. A medida foi tomada sem qualquer consulta aos Conselhos dessas UC’s, que funcionam regularmente há anos. A proposta que poderia significar uma otimização da gestão e maior integração operacional das equipes da Unidades, tem se revelado na verdade uma forma de subordinação das unidades ao comando central do Instituto e perda de autonomia das mesmas. Desde a criação do NGI a ESEC Tamoios funciona sem uma chefia específica, contando apenas com uma única chefia que responde pelas 3 UCs.

A ausência de comando especifico da ESEC Tamoios amplia os riscos que a mesma vem sofrendo, ainda mais num momento de grande fragilidade do ICMBio. As ameaças se acumulam diante dos ataques presidenciais e a ausência de atitudes claras da União e no combate à impunidade. Uma clara demonstração dessa situação de desrespeito à legislação, e da aparente certeza de impunidade, vem ocorrendo com a realização de obras na Ilha do Sandri, a principal ilha da ESEC Tamoios.

Ainda mais espantosa foi uma informação não confirmada de que haveria uma festa na Ilha do Sandri, a poucos quilômetros da sede da ESEC Tamoios, em plena vigência das recomendações de isolamento social para conter a pandemia em curso e em forte escalada em nosso país. Segundo moradores da região, movimento de lanchas e queima de fogos de artifício foram observados nesse dia na ilha, ainda que não tenham vindo à público registros, nem sido possível comprovar o responsável por sua realização.

Cabe ressaltar o interesse específico em relação a Ilha do Sandri nas investidas contra a ESEC Tamoios. Publicação recente em um blog veicula a informação de que a ilha seria a “joia da coroa”, e que interesses imobiliários poderiam estar associados, e até mesmo a “instalação de um cassino”.

O interesse histórico em empreendimentos na Ilha do Sandri antecede a criação da ESEC Tamoios. Na década de 80 o Ministério das Minas e Energia foi consultado a respeito da instalação de Projeto Turístico na Ilha do Sandri, com financiamento da EMBRATUR. O Ministério das Minas e Energia, bem como a CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear, manifestaram-se pela inconveniência da implantação deste empreendimento, considerando que o incremento populacional da ilha, o fluxo de turistas e o tráfego marítimo e aéreo poderiam colocar em risco a segurança das Centrais Nucleares, que distam apenas 3,5 km da ilha. Apesar desta manifestação, a obra teve início, mas foi embargada posteriormente.

A criação da ESEC Tamoios, em 1990, selou o impedimento para qualquer construção nesta ilha. Quanto a regularização fundiária da Unidade, de acordo com o Relatório de 30 anos da ESEC Tamoios, das 29 ilhas somente 4 ainda possuem títulos de ocupação precária em nome de particulares. O fato de as ilhas constituírem patrimônio da União contribui para o estágio avançado de regularização fundiária da Unidade de Conservação. Este aspecto somado ao alto grau de implementação da UC, conforme determina a Lei do SNUC, indicam seu avançado grau de consolidação.

Portanto, qualquer proposta no sentido de extingui-la, reduzi-la, ou mesmo, esvaziá- la administrativamente é fortemente rechaçada pelas entidades sociais signatárias desse documento, que recorrem ao Ministério Público na busca de apoio para adoção de medidas que garantam:

1. O cumprimento integral das funções e atribuições da Estação Ecológica de Tamoios, em especial as que se referem a sua inter-relação com as usinas nucleares em Angra dos Reis;

2. Aos conselhos das Unidades existentes, não consultados por ocasião da criação do NGI, mecanismos de controle social à nova instância de gestão criada;

3. Instar os poderes constituídos competentes para que coíbam os delitos praticados no âmbito da ESEC Tamoios, especialmente àqueles que tem como clara intenção de solapar sua integridade e existência, como está ocorrendo na Ilha do Sandri;

4. Averiguar através dos meios legais cabíveis e, se for confirmado, punir exemplarmente os responsáveis pela realização de uma festa na Ilha do Sandri durante o período de pandemia que ceifou mais de cem mil vidas no país, e por realizar atividade ilegal na UC;

5. A devida publicidade do suposto projeto de flexibilização da ESEC Tamoios entregue pela Prefeitura Municipal de Angra dos Reis ao senador Flávio Bolsonaro.