Artigo cedido gentilmente pelo arquiteto urbanista Canagé Vilhena

A explosão de terror causado pela reação de um grupo narcotraficante contra a morte de um de seus comandantes, na Zona Oeste, no dia 23 passado, com incêndios de 35 ônibus, vários automóveis particulares e um trem suburbano, deixou em pânico a Cidade do Rio de Janeiro, especialmente entre os moradores da Baixada de Jacarepaguá e do bairro de Vargem Pequena, onde pela primeira vez um ônibus foi incendiado com passageiros no seu interior, quase levados à morte.

Esta ação terrorista de grande repercussão não é novidade, é resultado do distanciamento, com o que o Poder Público trata a questão social, especialmente o que se refere ao trato da urbanização perversa que aconteceu na área suburbana do Rio, desde o início do século passado.

Diante do abandono do Estado, para controlar, organizar e desenvolver com sustentabilidade o ambiente urbano, apareceram “voluntários” para dar apoio de “segurança privada” aos moradores entregues ao “Deus dará”. Da mesma maneira como o Poder Público passou para a população pobre a tarefa de solução para os seus próprios problemas de moradia, também permitiu que algum dos seus agentes nas horas de folgas substituíssem o “poder de polícia” pelo o poder paralelo de segurança pública. Tais grupos foram de início tratados com muita simpatia, quase amor, pelos governantes do Estado do RJ e do Município do Rio de Janeiro. O prefeito do Rio, desde 1993, tratou essa segurança paralela como “autodefesa comunitária” (sic), e manteve na Câmara de Vereadores chefes de milícias como como líderes do governo municipal. Governadores sempre trataram com muita amizade e companheirismo os líderes de facções de milícias eleitos para o parlamento estadual. Um certo capitão da PM, chefe de um grupo paramilitar, foi condecorado, na cadeia, com a Medalha Tiradentes, da ALERJ, por indicação de um certo deputado estadual, hoje senador representante do Estado do RJ.

A respeito dessa onda crescente do poder paramilitar, que hoje ocupa 70% do território municipal segundo estatísticas de institutos de pesquisas, o ex-secretário de Segurança Pública do governador Sérgio Cabral (condenado a mais de 400 anos de cadeia por organização criminosa), tentou passar, para o município, em 2016, a responsabilidade pelo caos urbano ao tratar como germe da violência urbana a “esculhambação urbanística”, o que de certo modo tinha razão, apesar de não ser apenas esta a causa do caos que domina a segurança pública no Rio, junto com a desordem urbana de competência municipal.
“Nós agimos numa cidade totalmente desorganizada, numa cidade sem limite, numa cidade sem nenhum tipo de parâmetro de crescimento, mas a polícia opera. Mas não se surpreendam que, num verdadeiro caos urbanístico que é o Rio de Janeiro, neste momento, não tem alguém de fuzil em alguma linha do trem. Que polícia no mundo opera num cenário desse? Nós operamos, mas, e o resto?”, questionou José Mariano Beltrame, o ex-secretário do Cabral.

Junto com o crime organizado na forma de narcomilícias, concorre o crime organizado do Jogo do Bicho, importante parceiro da Prefeitura do Rio na política cultural e do turismo na exploração da indústria do carnaval.

Não por acaso o poder paralelo de milícias comanda áreas tratadas como “áreas de especial interesse social”, mas abandonadas e exploradas como era na antiga “política da bica d’água”, dos tempos de Chagas Freitas, para exploração eleitoreira e para manter a exploração da miséria urbanística e ambiental que a política urbana desenvolve no Rio de Janeiro, desde o início do século passado, quando se iniciou a urbanização na antiga Zona Rural ocupada pelo pela classe trabalhadora expulsa do centro da cidade na Reforma Urbana do Pereira Passo, hoje patrono do Instituto de Planejamento do Município do Rio de Janeiro, o IPP.

Não foi por acaso o crime organizado ter se destacado na Baixada de Jacarepaguá, onde surgiu o primeiro grupo paramilitar apelidado de “polícia mineira” exatamente na maior área de favelada da área, onde a Prefeitura do Rio explora a miséria urbanística, como grande curral eleitoral, usando a Associação de Moradores como centro de parceria política.

Não é por acaso que o Estado do Rio de Janeiro não tem Secretaria de Segurança Pública, desde que um ex-juiz federal foi eleito para governador com a promessa de adotar a “Lei do Abate”, (contra negros favelados, é claro) como solução para a violência urbana e, para tanto, acabou com a secretaria estadual de Segurança Pública, mas logo depois de eleito foi cassado por corrupção, mas esta ideologia de ordem urbana é mantida, até hoje pelo seu ex-vice, atual governador, sem a Secretaria de Segurança Pública, seguindo o modelo de ”o secretário de segurança sou eu” (sic).

Neste caldo de cultura da criminalidade público-privada a região da Baixada de Jacarepaguá, e toda a Zona Oeste, se fortalece, a cada dia, o crime organizado na forma de narcomilícia, como atual estágio superior de desenvolvimento da velha polícia mineira, junto com a política urbana velhaca.

Não é novidade, portanto, que tenha ocorrido, em 23 de outubro passado, na área de Vargem Pequena, a primeiro grande ação terrorista com o incêndio de um ônibus, nessa área que há muitos anos o poder público deixou de lado, apesar de tentativas de organizar a ocupação voltada apenas para os interesses do mercado imobiliário, mas sem tratar dá necessária preparação para o desenvolvimento urbano sustentável, com infraestrutura ambiental e urbanística, garantindo as funções urbanas básicas e as funções sociais da cidade.

Vargem Pequena hoje é um dos melhores exemplos da desordem urbana com o espaço ocupado quase que completamente por atividades ilegais, com o beneplácito do Poder Público que confraterniza a cada dois anos, no período pré-eleitoral com moradores agradecidos em grande comemoração eleitoreira, varrendo ruas, pintando meio-fio, para que se mantenha a desordem urbana tradicional, como convém a quem cultiva ninhos de serpentes.

Esta desordem continua desde quando o plano Lúcio Costa foi aprovado com a ideia de manter a região de Vargem Grande-Vargem Pequena como se fosse uma “área de especial interesse agrícola” (sic), neste município que não tem secretaria de Agricultura, mas acabou se tornando uma área de especial interesse da exploração urbana clandestina e com nichos de serpentes, assim como se desenvolveu na chamada “República de Rio das Pedras”.

Portanto não é de se espantar o fato de pela primeira vez na história de Vargem Pequena um ônibus incendiado, impedindo moradores de voltarem para casa devido ao fechamento da principal via de acesso da Barra da Tijuca para região das Vargens, a Estrada Benvindo de Novaes. Vida que segue.

Foto Thomaz Silva/Agência Brasil