Por Thereza Dantas, GT Comunicação Movimento Baía Viva

Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), nesse verão o setor do turismo deve faturar na alta temporada – que compreende os meses de novembro de 2023 a fevereiro de 2024 – algo em torno de R$ 155,87 bilhões. Após o encolhimento de 36,7% no período da pandemia da covid 19, o turismo tem alcançado um faturamento real de 7,9%, segundo o Índice de Atividades Turísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A notícia é boa para um país que está se reconstruindo após um amargo período político de seis anos entre um golpe e um governo negacionista de extrema direita. O problema é que essa reconstrução está atropelando, mais uma vez, o Meio Ambiente.

Observando o local para entender o macro: uma beleza única
Quem conhece o mar da cidade de Arraial do Cabo, localizado na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, não esquece facilmente os tons de azul que essa região oferece aos olhos de todos. Governo e empresários locais apelidaram a região de Caribe brasileiro por conta da cor azul-turquesa. Além dessa belíssima coloração da água do mar, Arraial do Cabo tem outro encanto, muito particular e único: a paisagem repleta de cactos gigantes, arbustos retorcidos e pequenas flores. Essa vegetação litorânea típica de regiões de clima semiárido, só é encontrada entre Cabo Frio e Búzios.

Para proteger essa paisagem única foi instituída a Reserva Extrativista Marinha Arraial do Cabo, RESEXMar, criada por Decreto Federal s/nº de 03 de janeiro de 1997, uma Unidade de Conservação (UC) que cobre uma área de 56.769 hectares do estado do Rio de Janeiro e, “ utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade”, segundo informações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), instituição responsável pela fiscalização da UC.

Com tantas qualidades únicas, esse pedaço de caatinga no litoral na Região Sudeste deveria ser tratado com muito carinho mas as lutas dos “populações extrativistas tradicionais”, os pescadores e pescadoras artesanais, tem demonstrado que tanto o Poder Público, em todas as instâncias, e os empresários locais não entenderam o valor desse ecossistema.

Observando o local para entender o macro: a luta para conservar
Junto com o Decreto Federal que instituiu a Resex de Arraial do Cabo, foi criada a Associação da Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo (AREMAC) onde a sociedade civil tem o poder moderador junto ao ICMBio, com o objetivo de atuar na preservação da ResexMar de Arraial do Cabo.

A diretoria da AREMAC tem o grande trabalho de monitorar três milhas náuticas (quase 6 mil km) entre a praia de Massambaba, na localidade da Pernambuca e a praia do Pontal, na divisa com Cabo Frio, abrangendo uma área de quase 57 mil hectares de lâmina d’água. Infelizmente o único barco que a AREMAC possui está parado desde 2022, à espera de um conserto para continuar o trabalho de monitoramento na UC. “Nós temos a obrigação de zelar pelo espaço de 51 mil hectares da Resex de Arraia do Cabo”, informa o presidente da AREMAC, Eraldo Cunha.

Com o avanço do turismo a partir de 2010, a AREMAC tem presenciado problemas que vão desde a fuga dos cardumes de vários tipos de peixes de passagem como bonito, tainha e espada, até o som alto de barcos de turismo que navegam no trecho que compreende a RESEXMar de Arraial do Cabo que afugentam as gaivotas e atobás. Segundo pescadores locais, a frota das escunas e os barcos de dois andares estão aumentando sem a devida fiscalização, colocando a fauna marinha e terrestre em perigo. “Percebemos o mal que esse modelo de turismo trouxe para a região na pandemia da covid 19, quando os passeios foram suspensos e os peixes voltaram para o nosso litoral”, informa Cunha.

E os problemas não param de crescer. O mais grave é que hoje tanto a Prefeitura, quanto o ICMBio não sabem quantos barcos estão em atividade na UC. Para o consultor e diretor do do Movimento Baía Viva, Fábio Fabiano, em última análise o órgão responsável pela RESEXMar de Arraial do Cabo, o ICMBio, está se omitindo diante de vários problemas. O ex-gestor da RESEXMar de Arraial do Cabo, Fábio Fabiano, acredita que há mais de cem escunas e barcos de dois andares navegando com turistas. Essa ausência de fiscalização chegou no limite do trágico com os grandes barcos de turismo transportando entre 100 a 120 pessoas, colocando a vida delas em risco de morte. Representante da Associação de Logística Ambiental Marítima (ALOGAM), o pescador Araújo acredita que durante os quatro últimos anos, as licenças ambientais foram dadas sem nenhum critério aos empresários desse ramo. “Temos, pelo menos, 200 embarcações de pescadores artesanais, com capacidade para 25 pessoas, a espera da licença para passeios náuticos que poderiam ofertar um turismo mais de acordo com as necessidades de conservação da RESEXMar de Arraial do Cabo ”, avalia. Para os turistas, a boa notícia deste verão é que empresários e o Poder Público fizeram um acordo onde os grandes barcos turísticos estão saindo uma vez ao dia, pela manhã, respeitando o número de passageiros que é de 80 pessoas por viagem.

Mas, segundo pescadores e pescadoras, ainda há muito para se organizar no turismo do Verão de Arraial do Cabo. O volume das caixas de som dos barcos de turismo pode ser revisto pois não faz o menor sentido chegar numa Unidade de Conservação, cansado da vida agitada dos grandes centros e do trabalho estressante e não ouvir o som dos ventos e dos animais que vivem nesse território. Outra sugestão é a de tentar implementar o Turismo de Base Comunitária, TBC, uma modalidade de turismo indicado pelo Ministério do Meio Ambiente para UCs, protagonizado por pescadores e pescadoras locais, e que pode render boas surpresas para quem quer conhecer um pouco mais sobre um outro modo de vida. Criar delimitação visual para as áreas de pesca e assim evitar a invasão dos barcos turísticos também é uma ideia para manter esse santuário belíssimo e continuar atraindo turistas. Para pescadores e pescadoras, o que não faz sentido é destruir a paisagem que atrai pessoas para ver a paisagem.

Para o presidente da AREMAC, “o justo é o respeito pelos limites da pesca, razão da RESEXMar de Arraial do Cabo, pois com o passar do tempo os pescadores foram perdendo o seu espaço na reserva”, avalia Eraldo Cunha.

Fotos Thereza Dantas