Artigo de Marcelo Sant’ Ana Lemos, historiador e pesquisador da história carioca (1)

Pouca gente sabe que neste momento estão debatendo a revisão do Plano Diretor do Município do Rio de Janeiro! O que for ali discutido vai interferir na vida dos cidadãos cariocas nos próximos anos. O debate que deveria ser adiado, pois a pandemia impede uma maior participação popular, tem sido feito de forma virtual e acelerado por pressão da Prefeitura, dando poucas condições de uma maior reflexão e mobilização popular por suas reivindicações.

Um dos temas do Plano Diretor é o futuro das Vargens, de como a cidade em crescimento vai lidar com essa região, alvo hoje de intensa pressão da especulação imobiliária legal e a miliciana. É importante conhecer um pouco da história e da geologia dessa região pois isso ajudaria a definir melhor o futuro dela.

A dissertação de mestrado em geologia de Ana Lucia dos Santos Calheiros (2) nos ajuda a compreender como evoluiu a região das Vargens nos últimos 7 mil anos. Num primeiro momento entre 7.000 e 5.100 anos atrás houve uma transgressão marinha, isto é, o nível do mar estava mais alto do que o atual de 4 a 5 metros, que pode ser visualizado na gravura abaixo, que compara a região naquela época e hoje.

O estudo prossegue mostrando que de 5100 a 4100 anos atrás o mar começou a recuar chegando aos níveis atuais, mas voltando a subir acima de 3 metros entre 3800 anos e3500 anos antes do presente, como vemos abaixo. Esses avanços e recuos do mar ocorreram não só na Baixada de Jacarepaguá, mas em todo o litoral brasileiro, e por isso ficaram no imaginário dos povos sambaquieiros e também dos seus sucessores na ocupação das regiões litorâneas, como os Tamoios aqui do Rio de Janeiro, que incorporaram o avanço do mar nas suas narrativas míticas e que foram interpretadas pelos jesuítas como dilúvio bíblico.

Nos últimos 3500 anos o mar vem recuando até chegar aos níveis atuais e a laguna outrora existente foi se transformando em pântanos e brejos, depois em extensas áreas de turfas (que consiste em material orgânico natural, composto de restos parcialmente decompostos de vegetais que crescem em áreas pantanosas, acumulando-se continuamente em depósitos em solos hidromórficos) que deram origem a boa parte da Vargem Grande e Vargem Pequena.

Assim essas planícies que compõem boa parte das Vargens, com camadas de argilas que variam numa profundidade de 3 a 15 metros de espessura, são áreas que não sustentam edificações por serem as turfeiras solos alagadiços e com lençol d’água elevado e drenagem dos terrenos deficientes. Qualquer construção nessas áreas tende a não se sustentar, rachando e caindo por conta da instabilidade dos terrenos. Por isso são áreas não edificantes, que devem ser preservadas!

Na atual discussão do Plano Diretor tem se debatido a necessidade de criar uma Unidade de Conservação nas Vargens para não só frear a especulação imobiliária em construir nessa área, que demonstramos acima seriam tragédias anunciadas, pois boa parte dos terrenos não se prestam para edificar nada, mas também para termos proteção maior da fl ora e fauna local, com características singulares dos terrenos hidromórficos.

A AMAVAG (Associação dos Moradores de Vargem Grande) tem defendido essa proposta na discussão do Plano Diretor da Cidade, bem como o apoio aos pequenos agricultores do Maciço da Pedra Branca e a conciliação da UC com o direito à moradia dos que ali vivem há anos naquele pedaço do antigo sertão carioca, como bem denominou Magalhães Correa, na década de 1930.

1 Artigo originalmente veiculado no JORNAL ABAIXO ASSINADO, Setembro de 2021, reproduzido aqui com a permissão do autor.

2 Mestre em Geologia pela UFRJ com a dissertação “Variações do nível relativo do mar nos últimos 7000 anos A.P. na planície costeira de Jacarepaguá – Rio de Janeiro”, 2006

Mais no site BV 

  • Sobre os “Campos de Sernambetiba”, na Zona Oeste carioca, clique aqui
  • Luta pelas Unidades de Conservação na região das Vargens, clique aqui