Artigo de Sérgio Ricardo de Lima, cofundador do Movimento Baía Viva, membro do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas (CEDIND-RJ) e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Práticas em Desenvolvimento Sustentável (PPGPDS) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

 

No Dia Mundial da Terra, comemorado em 22 de abril no mundo todo, o Movimento Baía Viva ingressou com denúncia (Representação) junto aos Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual com pedido de investigação da responsabilidade cível e criminal do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, com base na Lei Federal no. 9605/1997, pelo corte de verbas orçamentárias de programa de reflorestamento, cujo valor reduzido é estimado num valor total de 75% do montante destinado no orçamento municipal para este ano.

Segundo a denúncia dos ecologistas este valor teria sido transferido para a recuperação de praças, entre outras obras: da verba total prevista no início do ano para ações de reflorestamento na cidade, através de um decreto publicado em 16/03/2022, o prefeito promoveu um corte de R$ 18,7 milhões e agora, na véspera do Dia Mundial da Terra, reduziu em mais R$ 5 milhões estes recursos, o que representa uma perda estimada de R$ 23,7 milhões.

CIDADE DO RIO DE JANEIRO REDUZ 75% DAS VERBAS DESTINADAS A PROGRAMA DE REFLORESTAMENTO DA MATA ATLÂNTICA

De acordo com apuração preliminar feita junto ao Diário Oficial do município e análise da execução orçamentária anual, os R$ 5 milhões desviados das ações de reflorestamento teriam sido transferidos para “outras despesas complementares com pessoal” a cargo da Secretaria Municipal da Fazenda e da subsecretaria de Serviços Compartilhados.

O Baía Viva também solicitará na próxima segunda-feira, 25/04/2022, informações diretamente à Secretaria Municipal de Meio Ambiente, SMAC, sobre os motivos da não execução, até o momento, de cerca de R$ 5,8 milhões que estariam disponíveis para programas de reflorestamento e sobre a situação do Programa Mutirão Reflorestamento, uma política pública ambiental pioneira no país que foi criada no governo do prefeito Saturnino Braga (1988) e que é uma referência nacional e internacional de política pública voltada à recuperação ambiental de áreas urbanas, que tem contribuído decisivamente, nas últimas décadas, para a redução do número de deslizamentos e desmoronamento de terras nos morros e encostas da cidade. Outro serviço ambiental relevante prestado pelo Programa Mutirão Reflorestamento, projeto premiado pela ONU Habitat, é reduzir as chamadas “ilhas de calor” provocadas pela crescente urbanização da cidade e, consequente, redução ou eliminação das áreas verdes remanescentes da Mata Atlântica.

EM 2021, PREFEITURA DO RIO JÁ HAVIA SIDO DENUNCIADA NO MINISTÉRIO PÚBLICO POR PROVOCAR ESVAZIAMENTO E DESMONTE DOS PROGRAMAS MUTIRÃO REFLORESTAMENTO E HORTAS CARIOCAS

Em março de 2021, o Movimento Baía Viva fez denúncia ao Ministério Público Estadual e à Procuradoria Geral da República do Rio de Janeiro para “apurar as responsabilidades cíveis e criminais por parte do Prefeito da cidade do Rio de Janeiro Eduardo Paes, DEM, e do atual titular da SMAC em relação à absurda tentativa de esvaziamento, desmonte e desmantelamento do conceituado Programa Mutirão Reflorestamento.”

A Representação do Baía Viva datada de 24/03/2021 apontava à época os seguintes indícios de irregularidades no Mutirão Reflorestamento:

– Ameaça ao ecossistema Mata Atlântica, protegida pela CF de 1988 e a Lei Federal n.11.428/2006, com impactos diretos quanto ao não cumprimento das metas de redução dos Gases de Efeito Estufa, GEE, previstas na Política Municipal de Mudanças Climáticas (Lei Municipal nº 5.248 de 27/01/2011);

– Abandono de política pública de caráter preventivo que é referência como intervenção voltada à evitar/minimizar/reduzir os riscos de deslizamentos e/ou desmoronamentos de áreas de riscos como encostas e morros do município;

– A redução no programa também terá como consequência também o aumento do número de incêndios na vegetação, o que aumentará o grau de ameaças sobre a Floresta da Tijuca, o Parque da Pedra Branca e o Parque do Mendanha, a APARU da Serra da Misericórdia situada na Zona Norte carioca, entre outras Unidades de Conservação da Natureza que encontram-se bastante vulneráveis no território carioca.

– Cortes orçamentários e demissão em massa de trabalhadores capacitados que atuavam no projeto Mutirão Reflorestamento.

– Risco de demissão em massa de trabalhadores (plantadores) com reconhecida experiência técnica em reflorestamento em áreas urbanas críticas: naquele momento a remuneração salarial do mês de fevereiro não havia ainda sido paga aos trabalhadores/as do Mutirão; havia denúncias de redução do valor dos salários a serem pagos, etc.

Estimava-se que o Mutirão sofreria em 2021 a redução de quase 50% no número de trabalhadores/as oriundos de diversas comunidades e favelas da cidade.

A denúncia de 2021 feita ao MP-RJ e ao MPF-RJ já apontava que: “O Mutirão Reflorestamento já chegou a ter 1000 colaboradores divididos em equipes com 15 homens e mulheres. Esse número vem caindo a cada gestão. Porém, agora chegou no nível crítico, de limitados 453 trabalhadores/as na virada do ano (2020, governo Marcelo Crivella) para míseros 279 plantadores com essa decisão. Esse número é insuficiente para manter as áreas reflorestadas com qualidade, pois as equipes ficaram reduzidas para 2 ou 3 pessoas apenas para realizar a manutenção de superfícies de 15 a 20 hectares (algumas equipes teriam apenas um solitário homem).

Caso seja mantida esta decisão equivocada, chegaremos ao número mínimo de reflorestadores das últimas 3 décadas. Teremos perda de vegetação (leia-se dinheiro público e qualidade ambiental da cidade) em decorrência de incêndios anuais ou invasão (de construções irregulares, animais ou capim nas áreas mais frágeis).”

RIO DE JANEIRO FOI O ESTADO QUE MAIS DESMATOU O BIOMA MATA ATLÂNTICA

Historicamente o estado do Rio de Janeiro é a unidade da federação que mais desmatou a Mata Atlântica no país: este ecossistema cobria originalmente 100% da área do Rio de Janeiro, numa extensão estimada em mais de 4,37 milhões de hectares. Como resultado dos ciclos econômicos do período da Colonização europeia (do café, cana de açúcar) e depois como a agropecuária extensiva e mais recentemente a urbanização caótica e sem planejamento territorial adequado, atualmente restam apenas 820.237 mil hectares do bioma – ou seja: 18,7% desse total. Já na capital fluminense, o percentual de área preservada de Mata Atlântica é de apenas 29,7% da cobertura original.

No início deste mês, ativistas da Articulação Carioca Por Justiça Socioambiental, do qual o Movimento Baía Viva é uma das instituições cofundadoras, protestaram durante uma cerimônia pública onde entregaram um troféu simbólico de “inimigo da natureza” para o prefeito Eduardo Paes, PSD, juntamente com um dossiê que aponta nove casos de conflitos ambientais no município que contariam com a omissão ou negligência da administração municipal.

Para o ecologista Sérgio Ricardo, cofundador do Baía Viva: “Este Dia Mundial da Terra de 2022 será marcado por um profundo pesar e também pela resistência de todos aqueles que estão indignados com o avanço acelerado e sem limites da especulação imobiliária nos bairros cariocas onde, a cada dia, temos visto desaparecer os antigos quintais com árvores e pássaros. É visível a eliminação cotidiana das manchas verdes remanescentes da mata atlântica, que felizmente ainda estão presentes em algumas regiões da cidade que fazem parte da ecologia da paisagem do Rio de Janeiro e num cenário de incremento das mudanças climáticas globais, sua preservação é fundamental para garantir tanto a saúde ambiental do ambiente urbano, como a saúde dos cariocas. De forma extremamente contraditória, a cidade que sediou a conferência internacional ECO 92 da ONU há 30 anos atrás é hoje um município mais cinza, menos verde e mais poluído”, afirma o ecologista.

BAÍA VIVA APONTA “HIPOCRISIA VERDE”: EDUARDO PAES CORTA VERBAS DE REFLORESTAMENTO DA MATA ATLÂNTICA, ENQUANTO PRESIDE O GRUPO C40 – COLEGIADO POR FORMADO POR 70 GRANDES CIDADES MUNDIAIS PARA LIDERANÇA DO CLIMA

Ao considerar que estamos diante de uma típica situação de “Hipocrisia Verde” ou greenwashing (do inglês green, verde, e whitewash, branquear ou encobrir) ou “banho verde” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Greenwashing), o Baía Viva aponta nas suas representações ao MP-RJ e MPF-RJ que caso esta situação não seja revertida, estaremos diante de uma grave situação de ameaça ao ecossistema Mata Atlântica, protegida pela CF de 1988 e a Lei Federal n.11.428/2006; assim como a destruição do Mutirão Reflorestamento provocará impactos diretos em relação ao não cumprimento das metas de redução dos Gases de Efeito Estufa, GEE, previstas na Política Municipal de Mudanças Climáticas (Lei Municipal no 5.248 de 27/01/2011).

Como uma das principais contradições e incoerências na postura da atual administração municipal ao tentar esvaziar e desmantelar a política exitosa de reflorestamento adotado desde o final dos anos 1989 pela própria prefeitura, os ecologistas destacam que o próprio site da Prefeitura do Rio, ressalta a importância desta política pública (ao mesmo tempo em que reduz, corta suas verbas a cada ano!): “A Cidade do Rio de Janeiro foi uma das primeiras no país a definir uma Política Municipal de Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável, estabelecendo metas de redução de emissões de gases do efeito estufa para os próximos anos: até 8% em 2012, até 16% em 2016 e até 20% em 2020, com relação às emissões registradas em 2005 pelo Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa elaborado pela SMAC em parceria com a COPPE/UFRJ. Tais metas serão devidamente controladas pela entrada em operação do sistema de monitoramento dos gases do efeito estufa em 2012.”

Fonte: http://www.rio.rj.gov.br/web/smac/mudancas-climaticas1

Outra contradição profunda apontada pelo Baía Viva em suas denúncias ao MP-RJ e ao MPF-RJ é que: “O desmonte ou desmantelamento do renomado Programa Mutirão e de outras ações de reflorestamento está em profunda contradição e, portanto, também impactará negativamente o processo de implementação por parte da Prefeitura do Rio do seu Plano de Ação Climática, que tem uma meta ousada, em benefício do meio ambiente de zerar, até 2050, a emissão de dióxido de carbono e outros gases causadores do efeito estufa e, por consequência, do aquecimento global, sendo que este plano é resultado de um compromisso assinado pela Prefeitura do Rio de Janeiro com o C40, grupo de grandes cidades do planeta empenhadas em combater o aquecimento global, que é um compromisso da municipalidade em relação ao cumprimento das metas do Acordo de Paris, de 2015, do qual o Brasil é um dos signatários.

É importante frisar que junto ao Grupo C40 – colegiado formado por 70 Grandes Cidades mundiais para Liderança do Clima empenhadas em combater a mudança climática -, a Prefeitura do Rio se comprometeu a elaborar projetos e desenvolver ações voltadas a compensar as emissões produzidas no território municipal, que seriam “compensadas com medidas como preservação de áreas verdes e reflorestamento”.

A iniciativa do C40 está integrada ao Plano de Desenvolvimento Sustentável do Município do Rio, que tem participação de vários órgãos municipais e metropolitanos, sendo que caso ocorra a destruição do Mutirão além de uma grande ilegalidade, estaríamos diante de uma profunda contradição administrativa, pois, na prática, não é possível se pensar em “resiliência” ou em “desenvolvimento sustentável” sem se considerar a importância e múltiplos benefícios gerados pelo Mutirão Reflorestamento!”