Nota do Movimento Baía Viva sobre o navio São Luiz abandonado que ficou à deriva e bateu hoje (14/11/2022) na Ponte Rio Niterói. Por Sérgio Ricardo Potiguara, co-fundador do Baía Viva.

O Movimento Baía Viva fundado em 1984 tem, periodicamente, alertado autoridades públicas federais e estaduais sobre o risco de desastres ambientais nas águas da Baía de Guanabara em função da presença de grande número de embarcações abandonadas há anos e/ou que encontram-se afundadas. No Canal de São Lourenço, em Niterói, onde há cerca de três décadas mais de uma centena de barcos, chatas e outras embarcações de diferentes portes estão abandonadas, apodrecendo há décadas tem provocado crescentes impactos e prejuízos à pesca e o impedimento da navegação naquele trecho da Baía de Guanabara. Ao longo deste tempo, há grande risco de vazamento de óleo, de outras substâncias químicas e metais pesados oriundos destas embarcações que apodrecem no fundo da Baía ou que encontram-se ancoradas no espelho d’água de forma precária e insegura, sem dispor da devida fiscalização periódica seja realizada pelos órgãos ambientais Instituto Estadual do Ambiente – INEA ou o IBAMA, nem mesmo por parte da Capitania dos Portos. Portanto, é uma hipocrisia qualquer autoridade pública fingir ou negar que desconheça a existência de um verdadeiro ‘cemitério de navios abandonados’ nas águas da Baía de Guanabara, conforme constantemente tem sido alertado pelo Baía Viva nas últimas décadas e que está fartamente documentado em inúmeras reportagens.

O chamado Plano de Emergência da Baía de Guanabara (PEA-BG) operado pelas grandes empresas instaladas no espelho d’água da Baía que tem a participação de Docas S/A, Petrobras, Capitania dos Portos, há décadas fazem “vista grossa” para este lixo náutico e, infelizmente, os gestores deste dito “plano de emergência” só se movimentam a cada novo desastre ambiental. Há poucos dias, o Baía Viva veiculou em suas redes sociais um vídeo inédito com imagens aéreas de uma enorme mancha de óleo que se espalhava pelo entorno da Ponte Rio Niterói até o Porto do Rio: nos dias seguintes ocorreu grande mortandade de peixes nas praias de São Gonçalo, bairro do Caju e praias da Ilha do Governador… Mas por incrível que pareça, além de demorar vários dias pra ir no local do vazamento de óleo, o INEA-RJ alegou vergonhosamente em nota enviada à imprensa que, pasmen!, “não identificou a presença de óleo no mar”. Patético!

Recentemente, inclusive durante a pandemia, a equipe técnica e ativistas do Baía Viva fizeram vistoria de barco no entorno do navio São Luiz constatando seu estado de abandono e insegurança: hoje este mesmo navio à deriva bateu na Ponte Rio Niterói causando enorme congestionamento no trânsito da Região Metropolitana, sendo necessário agora uma avaliação técnica minuciosa dos eventuais riscos que podem ser provocados na estrutura desta Ponte construída nos anos 1970.

Em função da expansão ilimitada das petroleiras impulsionadas pelo Pré-Sal, que provocou um novo processo de industrialização da Baía, os ecossistemas e o espelho d’água da Guanabara passam por um forte processo de ‘sacrifício ambiental’, sendo que os principais impactos e riscos recaem sobre a Pesca Artesanal e a biodiversidade marinha uma vez que algumas espécies marinhas já estão ameaçadas de extinção, tais como: o boto cinza que é a espécie símbolo ecológico do Rio de Janeiro, cavalo marinho, tartaruga verde e várias espécies de pescado de maior valor nutritivo e de valor econômico.

Além da omissão, inércia, negligência e prevaricação por parte do Poder Público nos níveis federal e estadual, é importante chamar a atenção também para a responsabilidade legal dos Ministério Público Federal, MPF-RJ, e do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, MP-RJ, já que TODOS eles conhecem há décadas (cerca de mínimo 30 anos!) a existência deste enorme passivo socioambiental que é visível a olho nu para toda a sociedade que passa diariamente na Ponte Rio Niterói.

Aliás, a Lei Federal de Crimes Ambientais (Lei no. 9605/1997) tipifica como ilícito a omissão e negligência de autoridades públicas diante do risco iminente de desastres ambientais. Até quando está Impunidade Ambiental terá continuidade? Ao que parece os diversos órgãos públicos federais e estaduais estão esperando em “berço esplêndido” que recaia, mais uma vez, sobre a nossa bela e sofrida Baía de Guanabara um novo desastre ambiental!

Por inércia e omissão governamental já perdemos quase dois anos da Década do Oceano e da Restauração dos Ecossistemas determinada pelas Nações Unidas para o período de 2021-2030 e exatamente neste período já ocorreram vários vazamentos de óleo no mar que continuam solenemente impunes. Sequer multas ambientais são aplicadas e efetivamente pagas pelos poluidores. Sequer o fato de estarmos celebrando 30 anos da Conferência internacional ECO 92 que foi realizada em 1992 na cidade do Rio de Janeiro, e nem mesmo o fato de 2022 ter sido declarado o Ano Internacional da Pesca Artesanal e da Aquicultura tem feito os órgãos públicos agirem na defesa dos ecossistemas, da vida marinha e dos povos tradicionais (como milhares de pescadores artesanais que encontram-se em sua maioria empobrecidos e suas famílias passando por situação de insegurança alimentar) que dependem diariamente das águas limpas e saudáveis para sua subsistência alimentar e geração de renda.

Em Janeiro de 2023 quando se comemora o Dia Estadual da Baía de Guanabara, o Movimento Baía Viva e parceiros estão organizando uma Conferência e a Barqueta “Por uma Baía Viva” onde pretende-se apresentar à sociedade, imprensa, governos e empresas as diretrizes e metas a serem pactuadas no âmbito do PRAI-BG (Plano de Recuperação Ambiental Integrada da Baía de Guanabara) que visa sistematizar um conjunto de propostas de soluções sustentáveis oriundas das universidades, sociedade civil, comunidades pesqueiras entre outros atores sociais.

A Baía de Guanabara está Viva e a sociedade brasileira não desistirá dela, apesar da criminosa omissão e conivência de tantos agentes públicos e privados!

Foto O Dia e Coluna do Gilson.com.br