Por Canagé Vilhena, arquiteto e urbanista carioca
Comentaristas de TV – e a imprensa em geral – tratam da causa do assassinato da Marielle Franco e do Anderson Pedro Gomes, seguindo uma das teses da PF, que seria a reação da bancada do PSOL, na Câmara do Rio, contra a aprovação de uma lei de autoria do Chiquinho Brazão, para regularizar os loteamentos ilegais na Zona Oeste. Esta tese deixa de lado a importância do crescimento da força política de Marielle Franco em todas as zonas eleitorais, o que foi relatado pelo “cavalo de troia” que o crime organizado infiltrou nas fileiras do PSOL, o que era muito evidente, e não uma fantasia dele.
Entendo que não foi a especulação imobiliária ilegal da terra, explorada pela milícia no Rio de Janeiro, que motivou o assassinato de Marielle e Anderson. O Relatório da Polícia Federal deixa dúvidas sobre esta causa. Segundo declaração do ex-PM e assassino confesso Ronie Lessa, o tal infiltrado fantasiava sobre o crescimento da importância política da Marielle no cenário político do RJ, não apenas na capital.
Nas análises do caso pela imprensa em geral, pouca importância se dá a filiação partidária do Chiquinho, o Partido Republicano, da IURD e do Marcelo Crivella. Os analistas políticos pouco dão pouco destaque à ligação do ex-prefeito Crivela, e seu partido com o “pessoal militante” do Ecossistema do Crime (expressão criada pelo Ministro Flávio Dino, do STF). Não lembram, por exemplo, a homenagem feita pelo Crivela ao ex vereador Deco, dono de parte do latifúndio do crime, na Praça Seca. Também não se dá destaque ao fato do crescimento político da Marielle, eleita com votos, em grande parte, de eleitores de fora das favelas. A sua atuação, como vereadora, a colocava como forte candidata a deputada federal ou senadora. Ela despontava como liderança muito maior, eleitoralmente, do que qualquer outro líder do PSOL ou das “correntes progressistas”, então carentes de fortes lideranças eleitorais.
Marielle incomodava muito mais aos partidos de direita ligados ao projeto político de fundação do Estado Cristão, por exemplo, Republicanos, PSC e seus aliados pelo lado direito. Não era a especulação imobiliária clandestina e criminosa, que sustentou politicamente a gestão urbana do município, especialmente depois de 1990, que poderia servir para promover crime tão bárbaro. Esta questão já está bem resolvida pelo Ecossistema do Crime no RJ.
Não havia necessidade de aplicação das 3 leis criadas pelo Chiquinho Brazão, junto com Eduardo Paes, haja vista que hoje é possível regularizar, os loteamentos ilegais desde que o TJRJ criou a famigerada Súmula 79, que permite que os loteamentos ilegais sejam transformados em Condomínios de Fato. Também a Lei de Regularização fundiária aprovadas em 2017, pelo Temer permite a regularização fundiária nas zonas rural e urbanas no Brasil.
Segundo esta presumida hipótese a questão fundiária não era a principal pauta política da Marielle, apesar de ter aprovado uma importante lei de regularização fundiária, que a Prefeitura do Rio se recusa a regulamentar e aplicar, com apoio das correntes progressistas, que se deixam levar pela gestão urbana sem interesse social comandada desde 1990 na Prefeitura do Rio.
As 3 leis (LC 160/2015, LC161/2015 e LC 180/2018) * elaboradas pelo gabinete do então vereador Chiquinho Brazão para legalizar loteamentos, na Zona Oeste, e aprovadas pelo prefeito Eduardo Paes, não tinham a menor possibilidade de eficácia. Nem havia necessidade de o MPRJ agir contra elas, por institucionalidade, no TJRJ.
Só serviram para enganar o povo morador nos loteamentos ilegais e eleger o vereador, do partido evangélico (REPUBLICANOS – da IURD), para deputado federal. Haja vista que, dos processos protocolados para regularização na Prefeitura do Rio (SMU), nenhum foi aprovado; a maioria era embargada pela SMAC, como crime ambiental imprescritível. Para sua regularização, os responsáveis pela implantação dos loteamentos deveriam reparar os danos conforme estabeleceu PARÁGRAFO 3, DO ARTIGO 225, da Constituição Federal, de 1988, além de pagarem os débitos decorrentes das multas aplicadas.
“Parágrafo 3, Artigo 225 da Constituição Federal de 1988:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
(…)
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Aqueles outros loteamentos, que não eram produto de crime ambiental, tinham um grande óbice para sua regularização, a impossibilidade de licenciar obras de construção e parcelamento do solo em favor de quem não é proprietário, apenas possuidor, ou posseiro como se diz em linguagem popular. Esta objeção consta do CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, desde 2016, como condição indispensável para o uso do Direito de Construir e de parcelar.
Nestas condições de lei capenga, de substância ineficaz, não havia necessidade destas leis para tornar legal estes loteamentos, também inócuo seria um movimento para anulação delas como se fosse uma grande motivação para o crime organizado para assassinar quem se posicionasse contra.
Há muitos anos o TJRJ, através da famigerada Súmula 79, adotou duas aberrações jurídicas, LOTEAMENTO FECHADO*, conceito criado pelo Enunciado 89 **, Conselho Federal de Justiça-CJF, e CONDOMÍNIO DE FATO, usado pelo TJRJ para reconhecer loteamento ilegal como um FATO garantido pela inercia da Prefeitura em não impedir a continuidade do crime, de loteamento ilegal.
Estas duas aberrações permitem fazer da atividade ilegal de parcelamento do solo, sem licença da Prefeitura (crime contra administração pública, segundo o Artigo 50, da Lei 6766/79) um crime perfeito, com ajuda da Prefeitura (embarga, mas não impede a continuidade do crime até ele prescrever, depois de 5 anos), do TJRJ (reconhece o direito de loteador cobrar “taxa condominial” em loteamento ilegal), e das concessionárias de água e de eletricidade, que se tornam cúmplices dos crimes contra administração pública e ambiental, ao instalarem, oficialmente, suas redes de distribuição com cobrança de tarifas de consumo.
Outra forma de favorecimento da especulação imobiliária criminosa é a denominada Inscrição Predial que permite incluir, no cadastro fiscal da Prefeitura as edificações construídas no loteamento ilegal para fins de arrecadação de IPTU. Assim o ilegal vira fato gerador de tributos (IPTU + ISS) para êxito do crime perfeito, uma das mais lucrativas atividades econômicas em curso no Ecossistema do Crime do RJ, como denominou o Ministro Flávio Dino, do STF.
*Os artigos publicados não refletem necessariamente a opinião do Movimento Baía Viva
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